Entrevista com Micheline Flak realizada por Marc Questin
O yoga visa antes de tudo desenvolver a atenção. Os educadores sonhavam há muito tempo em
conhecer as chaves da Palavra, de poder gerar uma escuta essencial e profunda.
Este desejo encontra doravante um início de realização graças à iniciativa
pedagógica do RYE, o Centro de Pesquisa sobre o Yoga na Educação. Fortalecida com
uma longa e sólida experiência de professora de inglês e de yoga, Micheline
Flak trabalha após numerosos anos para que as técnicas de yoga que favorecem a atenção
e a concentração sejam progressivamente introduzidas no âmbito do sistema
escolar. Especialista qualificada de técnicas de relaxamento profundo,
Micheline Flak organizou desde 1983 Fóruns de Pedagogia. Esta experiência inovadora,
positiva tanto para os alunos como para os professores, se fundamenta nas
técnicas tradicionais. Na entrevista que se segue, ela nos dá seu ponto de
vista sobre o aporte do yoga à educação. A introdução das técnicas de yoga nas
escolas traz uma contribuição sutil e profunda à evolução qualitativa do
ensino.
Nouvelles Clés: Micheline Flak, você fundou o RYE e
desde 1978 trabalha sobre certas técnicas de yoga no âmbito da Educação
nacional. Você pode precisar seu objetivo?
Micheline Flak: A Educação nacional é bastante
vasta para acolher formas de ensino diversificadas que podem surpreender. Como
você relembrou, o RYE existe exatamente há onze anos. Sua fundação oficial (de
acordo com a lei 1901 sobre as organizações de interesse público) data dessa
época, mas bem antes nós tínhamos por hábito nos reunir regularmente com alguns
colegas para refletir sobre os meios de ajudar as crianças a prestarem atenção.
Isso parece completamente anódino, mas, agir com atenção é o grande propósito
do yoga e das disciplinas associadas, embora no Ocidente o costume seja só
repetir “prestem atenção!”, “escutem-me bem crianças!”, como se fosse simples
fazer esse esforço. Ora, isso exige uma educação. O desenvolvimento da memória
é todo um investimento e o yoga tem uma vasta experiência das técnicas e dos
meios necessários para tornar o mental ativo, eu diria mesmo, para torná-lo
receptivo, o que é essencial na aprendizagem. Observamos hoje que as crianças
têm miolos “como peneiras”, que o que “entra por um ouvido sai pelo outro”. E ainda
não há estudos suficientes sobre as alterações que acontecem no mental quando se
está submetido aos efeitos do estresse. Sabe-se bem, por exemplo, que as
pessoas deprimidas têm perdas de observação, atenção, que elas são mais afeitas
aos acidentes, por sua desatenção. Trata-se aí de um comportamento patológico.
Mas a falta de atenção é um fenômeno corrente que atinge todos e
particularmente os jovens.
N.C.: A criança que praticaria certos
exercícios de yoga para cultivar sua atenção desenvolveria então, uma certa
proteção, um certo distanciamento em relação às tentações do mundo moderno?
M.F.: Penso que sim. Faço parte de uma
associação que se ocupa da televisão e de seus efeitos sobre o espírito dos
jovens. Uma criança de doze anos passa mais horas diante de sua televisão que
diante de suas lições e deveres. É certamente o contrário de uma sentada
silenciosa. Eu fiz a experiência. Existem
técnicas reparadoras que podem ser aprendidas na escola; elas permitem às
crianças lançarem sobre si mesmas as sementes de novos comportamentos que as
ajudarão a encontrar uma maneira mais justa de ser e de se divertir.
N.C.: Que lugar você dá ao corpo e qual
o olhar de seus colegas de educação física sobre sua iniciativa?
M.F.: Esta relação é bastante ambígua. O
yoga é curiosamente percebido no Ocidente. Costuma-se concebê-lo sob os efeitos
unicamente do hatha yoga. Assim, nós aparecemos amiúde aos professores de
educação física como rivais. Mas para nós, quando nós dizemos a palavra yoga,
pensamos no yoga mental. É a forma de yoga de fato que nos interessa mais na
escola, pois nós temos que nos ocupar de crianças que são limitadas a um espaço
muito restrito e que ficam sentadas. O yoga só pode ser praticado entre mesas e
cadeiras. Mas se pode alongar, aprender a se sentar corretamente, a fazer uma báscula
da bacia que garante a saúde das lombares. Pode-se: aprender a bocejar...
quando se sai de uma avaliação escrita .... Os exercícios do tipo respiratório
são os mais importantes. A ele se acrescentam igualmente os exercícios de
relaxamento, na posição sentada. Quanto aos alongamentos, eles representam 30
ou 40% do yoga que nós praticamos em sala.
N.C.: Vocês trabalharam também o yoga
irano-egípcio?
M.F.: Sim, por intermédio de Jacques de
Coulon, um co-fundador do RYE que foi formado nas técnicas de yoga egípcio. Nós
bebemos em todas as fontes de yoga, não somente no yoga indiano.
N.C.: Enquanto professora de inglês,
você ensina uma língua estrangeira e você se interessa pela sugestopedia. Qual
é sua experiência, em relação à aprendizagem de línguas, da relação entre o
trabalho do sopro e a memória?
M.F.: A sugestopedia tem relações
evidentes com o yoga na escola. Seu fundador, Lozanov, é um psicólogo búlgaro
de grande qualidade que morou muito tempo na Índia. Ele se interessa muito pelo
yoga, que o influenciou, a ponto de que certas técnicas que ele utiliza são
verdadeiramente muito próximas das nossas. Parece que nas técnicas que ele elaborou
e que utiliza na Bulgária, ele dá uma grande importância à relação entre o
estado do mental, o estado da atenção e as fases respiratórias. Porém, nas
formas atuais de seu ensino, se usa a música, os concertos, a descontração, e
ele não apelou ao yoga enquanto tal. De meu lado, professora da educação
nacional, sou particularmente consciente da dificuldade que provoca a introdução
deste termo de sugestopedia assim como da palavra yoga. Nós somos professores
que querem adaptar o essencial guardando sempre as referências às fontes
tradicionais testadas pelo tempo. Conhecemos as fontes sânscritas sem que seja
indispensável nomeá-las.
N.C.: No seio do RYE vocês formam
igualmente professores nessas técnicas?
M.F.: Damos uma formação em dois anos,
com níveis posteriores de aprofundamento. Ensinamos no primeiro ano o
desenvolvimento sensório-motor, de maneira a estender entre as crianças uma
atenção auditiva, visual, tátil, uma atenção fundada sobre uma boa
administração das energias corporais. No segundo ano, o RYE ensina aos
professores a fazerem eles mesmos referência à tradição, ao raja yoga, e a
criar por si mesmos, para seu uso em classe, exercícios adaptados.
N.C.: O raja yoga é a fonte principal?
M.F.: Sim, essencialmente. Raja yoga quer
dizer yoga real. Na medida em que hoje se fala muito de psicossomático, sabe-se
muito bem que, previamente à doença, existe uma certa atitude emocional ou
mental. Não se pode mudar o fato de que nosso ensino seja hiper-intelectualizado.
É preferível colocar o intelecto em estado de funcionar o melhor possível.
Penso que seria útil ensinar as leis da higiene mental, pois se conhece pouco,
no Ocidente, sobre a melhor maneira de se recuperar de uma fadiga nervosa.
Sobre que suporte o espírito poderá se alongar como o corpo se alonga no solo? Já
faz muito tempo que se trata de encontrar a maneira de descansar o espírito. As
pesquisas de neurofisiologia, neuropedagogia, por exemplo, os trabalhos de Hélène
Trocmé-Fabre na França, mostraram que o cérebro se impregna de conhecimentos
que se lhe dá, tanto melhor quanto depois de um curso ou uma aula ele terá tido
um breve momento de relaxamento. Os bons professores sempre aportaram uma
pequena nota de alegria ou de descontração após um curso difícil. O relaxamento
favorece a fixação dos conhecimentos.
N.C.: Vocês já constataram uma melhoria no
estado de saúde de alguns de seus alunos?
M.F.: Nós percebemos, ao interrogar os
alunos, que uma imensa maioria tinha dificuldade de dormir à noite, em consequência
de uma superativação do sistema simpático, devido ao modo de vida, o estresse,
os filmes vistos antes de se deitar. Proponho aos jovens prolongar a noite em
suas camas com exercícios feitos em sala de aula. Sobre as costas, em suas
camas, eles devem fazer uma respiração com um ritmo mais lento na expiração.
Vários alunos me disseram ter conseguido dormir melhor em seguida. Isso poderia
servir também para os adultos!
N.C.: Você utiliza métodos de yoga
nidra?
M.F.: A característica e a eficácia do
yoga nidra, yoga nidra querendo dizer yoga do sono – poderíamos dizer também o
yoga do despertar – que é uma forma de relaxamento profundo, cuja
especificidade é a rotação da consciência nas diferentes partes do corpo. Quer
dizer uma tomada de consciência corporal sistemática das partes do corpo. O
retorno à sensação do corpo é absolutamente essencial ao equilíbrio. Quanto
mais um ser humano é consciente de suas raízes, mais ele está apto a
desenvolver seu potencial. Na escola, não falarei de yoga nidra, mas de tomada
de consciência do corpo, da respiração, dos mecanismos do mental e da memória.
N.C.: Como você concebe a noção de
equilíbrio na criança?
M.F.: O Ocidente não sabe muito bem. A
educação deve permitir a um ser humano descobrir os territórios imensos que estão
nele e em particular as zonas de criatividade. Ao favorecer o olhar interior,
desenvolve-se a concentração, mas também a confiança em si. A partir daí se
leva alguns alunos a se conhecerem melhor, a melhor administrar seu potencial.
Semeamos grãos de equilíbrio que desabrocharão em comportamentos de autonomia.
N.C.: Não existe uma relação entre sua
pedagogia e as ideias de Rudolf Steiner, de Célestin Freinet ou de Maria
Montessori?
M.F.: Certamente. Creio que os
inovadores retornaram sempre aos mesmos princípios esquecidos. O ser humano não
é somente um intelecto. Lembro-me de uma frase célebre de Thoreau: “Um homem
pensa também com seus braços e suas pernas, e não somente com seu cérebro. Exageramos
um pouco sobre a importância do quartel general”.
Existem grandes relações entre o retorno a si que
preconizamos, com o retorno à educação artística que enfatizamos muito no RYE.
A música, o desenho, o teatro, a expressão corporal “tudo o que revaloriza a manifestação
do ser total” do gestual, “da elocução” tudo isso entra na nossa reflexão e
nossa prática.
N.C.: Você trabalhou sobre a
especificidade dos hemisférios cerebrais? Falando nisso, penso no livro de
Swami Satyananda sobre a respiração do cérebro, o swara yoga.
M.F.: Ele é de fato um dos assuntos mais
surpreendentes que vivemos nos últimos anos, haja vista a concomitância entre
as pesquisas sobre o cérebro e os dados imemoriais do yoga. Roger Sperry, que
recebeu o Prêmio Nobel em 1973 por suas pesquisas sobre a especificidade dos
hemisférios cerebrais, fez descobertas que podem ser postas em paralelo com os
múltiplos exercícios de polaridade direita/esquerda, alto/baixo, atrás/na
frente, do yoga, sem esquecer a célebre respiração alternada que evoca os
exercícios de saúde taoístas. A
verdadeira inteligência, seja do corpo ou do espírito, procede de uma dosagem
exata entre essas duas energias. Ficamos maravilhados de ver que os Antigos
haviam descoberto a necessidade de uma educação holística que permite a um
indivíduo aumentar, se posso dizer, seu nível de vida e eu ousaria acrescentar
que, a maior parte dos indivíduos, mesmo carregados de diplomas, vive num nível
energético apenas equivalente ao SMIG (Salário Mínimo Interprofissional
Garantido). A apreciação dos finos valores da vida não é proporcional aos
ganhos financeiros. Da mesma forma o nível de consciência de um aluno
influencia enormemente a qualidade de sua aprendizagem. Alguns considerados
como “fracos” dão um salto quando têm a possibilidade de utilizar outros
parâmetros sensoriais que a audição e a visão. Aprende-se bem de verdade com o
corpo todo.
N.C.: Em que medida você utiliza o
mantra?
M.F.: Nós queremos que os ensinantes estejam
afinados com a realidade da tradição. Nós notamos que o mantra se fundamentava
sobre a repetição de um mesmo fonema. Como observava com bastante humor,
Krishnamurti, se fazemos alguém repetir “Coca-Cola, Coca-Cola, Coca-Cola...”
suas ondas cerebrais se acalmam! Isso faz lembrar o hábito que têm as crianças,
e perdem ao crescer, de repetir continuamente uma mesma palavra que lhes
interessou. Quando ensinamos aos alunos, sabemos que a repetição é extremamente
eficaz. Servimo-nos de conhecimentos tradicionais, mas não confundimos o mantra
com o trabalho de classe.
N.C.: Qual é o voto que você formularia
para o futuro e a justa evolução do RYE?
M.F.: Parece-me que o RYE ganhará cada vez
mais audiência pelo fato de ser um grupo de reflexão sobre as relações que
existem entre a tradição e a ciência contemporânea. O futuro da aprendizagem
reside na adaptação das últimas descobertas em neuropedagogia e nós trabalhamos
com pesquisadores no plano internacional. Nossa pesquisa cria uma corrente
europeia “original e consistente”. Existe uma tradição de educação na Europa
que dá seu lugar ao respeito das raízes comuns. Falta-nos uma política que
mantenha viva a criatividade sob aspectos diversos. Penso que existem formas de
espiritualidade moderna, que não levam nem mesmo esse nome. Elas consistem em
se colocar à escuta da Terra, da natureza e do cosmos, mas em suas relações com
nossa Terra, nossa natureza e nosso cosmos interiores. Existe aí uma superação
de si, de ampliação da consciência, cujas premissas podem ser aprendidas na escola
quando, por exemplo, fazemos as crianças tomarem consciência de uma respiração
comum. A sala se torna então o lugar emblemático onde brotam todas as fontes.
Para saber mais: http://rye.free.fr
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